Joe
O cheiro de tinta fresca e de gesso me fez pensar no meu
pai, e não na escola. Ainda assim, esse cheiro me atingiu em cheio quando
entrei no escritório totalmente reformado. Com livros nas mãos, andei devagar
até o balcão.
- E aí, Sra. Marcos?
- Joe, porque se atrasou de novo, muchacho ? - perguntou
ela enquanto reunia uns papéis.
O relógio na parede marcou nove da manhã.
- Droga, é cedo.
A Sra. Marcos desviou de sua nova mesa de cerejeira para me
encontrar no balcão. Ela acabava comigo quando eu chegava atrasado, mas ainda
assim eu gostava dela. Com longos cabelos castanhos, ela parecia uma versão
hispânica da minha mãe.
- Você perdeu a consulta com a Sra. Collins esta manhã. Não
é uma boa forma de começar o segundo período - sussurrou ela enquanto registrava
meu atraso. Ela inclinou a cabeça na direção dos três adultos reunidos no canto
distante da sala. Presumi que a loira de meia- idade sussurrando para o casal
rico era a nova orientadora.
Dei de ombros e deixei o canto direito da minha boca se
retorcer para cima.
- Ops!
A Sra. Marcos me estendeu o registro de atraso e me lançou
o olhar carrancudo de sempre. Ela era a única pessoa nesta escola que não acreditava
que meu futuro e eu estávamos completamente fodidos. A loira de meia- idade
falou alto:
- Sr. Jonas estou feliz que tenha se lembrado da nossa
consulta, mesmo estando atrasado. Tenho certeza que não se importa de aguardar um
pouco enquanto termino algumas coisas. - Ela sorriu para mim como se fossemos
velhos amigos e falou com tanta suavidade que, por um instante, quase sorri de
volta. Em vez disso, fiz sinal com a cabeça e me sentei na fileira de cadeiras
encostadas na parede do escritório. A Sra. Marcos riu.
- O que foi?
- Ela não vai aturar a sua postura. Talvez ela te convença
a levar a escola a sério.
Recostei a cabeça na parede de concreto pintado e fechei os
olhos, precisando de mais umas horas de sono. Faltando uma pessoa para fechar, o
restaurante só me liberou depois da meia- noite, e depois Beth e Isaiah me
mantiveram acordado.
- Sra. Marcos? - perguntou uma voz angelical. - Pode me
dizer quais são as próximas datas para o exame nacional, por favor?
O telefone tocou.
- Espere um segundo - disse a Sra. Marcos. E o telefone silenciou.
Uma cadeira na mesma fileira da minha se mexeu, e minha
boca se encheu de água com o aroma de pão de canela. Dei uma espiada e notei um
cabelo vermelho, macio e cacheado. Eu a conhecia. Demi Lovato.
Não havia pão de canela a vista, mas ela certamente
cheirava a um.
Fizemos várias aulas juntos. Eu não sabia muito a seu
respeito, além de que era discreta, inteligente, ruiva e tinha peitos grandes.
Ela usava camisetas largas de manga comprida que caiam nos ombros e tops por baixo
que revelavam apenas o suficiente para atiçar as fantasias.
Como sempre, ela olhava diretamente para frente, como se eu
não existisse. Droga, provavelmente eu não existia na cabeça dela. Pessoas como
Demi Lovato me irritavam demais.
- Você tem um nome esquisito - murmurei. Eu não sabia por
que queria provoca- la, mas tive vontade.
- Você não devia estar se drogando no banheiro?
Então ela me conhecia.
- Eles instalaram câmaras de segurança. Agora a gente faz
isso no estacionamento.
- Foi mal. - O pé dela se balançava freneticamente para
frente e para trás.
Ótimo, eu tinha conseguido penetrar naquela fachada
perfeita.
- Demi... Demi... Demi...
O pé dela parou de balançar e os cachos vermelhos sacudiram
furiosamente quando ela se virou para me encarar.
- Que original. Eu nunca ouvi isso antes.
Ela agarrou a mochila e saiu da sala. A bunda durinha rebolava
enquanto ela marchava pelo corredor. Isso não foi tão divertido quanta pensei
que seria. Na verdade, eu meio que me senti um babaca.
- Joe? - a Sra. Collins me chamou para o escritório.
O último orientador tinha muitos problemas de TOC. Tudo no escritório
era perfeitamente arrumado. Eu costumava mudar as placas de lugar só para incomoda-
lo. Não haveria essa diversão com a Sra. Collins.
Sua mesa era uma bagunça. Eu poderia enterrar um corpo ali
e ninguém jamais encontraria.
Sentando diante da Sra. Collins, esperei que ela acabasse
com a minha raça.
- Como foi seu Natal? - De novo ela estava com aquele olhar
de cachorro pidão.
- Bom. - Isto é, se você considerar que seus pais adotivos
gritando um com o outro e jogando os presentes de todo mundo na lareira é um bom
Natal. Sempre sonhei em passar meu Natal em um porão imundo vendo meus dois
melhores amigos se drogarem.
- Maravilha. Então as coisas estão indo bem na sua nova
família adotiva. - Ela disse em tom de afirmação, mas com a intenção de ser uma
pergunta.
- É. - Em comparação com as três últimas famílias que eu
tive, eles eram a maravilhosa Família Sol- Lá- Si- Dó. Dessa vez, o sistema
tinha me colocado com outro adolescente. Ou as pessoas encarregadas tinham poucas
opções ou finalmente estavam começando a acreditar que eu não era a ameaça que
imaginavam. Pessoas rotuladas como eu não tinham permissão para viver com
outros menores de idade. - Olha, eu já tenho uma assistente social e ela já é
um saco. Diga aos seus chefes que você não precisa perder seu tempo comigo.
- Não sou assistente social - disse ela. - Sou uma
assistente social clínica.
- É a mesma coisa.
- Na verdade, não é. Estudei por muito mais tempo.
- Bom pra você.
- E isso significa que posso lhe oferecer um nível
diferente de ajuda.
- Você é paga pelo Estado?- perguntei.
- Sou.
- Então não quero a sua ajuda.
Os lábios dela se retorceram em um meio sorriso, e eu quase
senti uma pontinha de respeito por ela.
- Que tal irmos direto ao assunto?- perguntou ela. - De
acordo com seu arquivo, você tem um histórico de violência.
Eu a encarei. Ela me encarou. Aquele arquivo era cheio de
merda, mas anos atrás eu aprendi que a palavra de um adolescente não vale nada contra
a palavra de um adulto.
- Este arquivo, Joe. - Ela bateu três vezes nele com o
dedo. – Acho que ele não conta a história toda. Conversei com seus professores
na Highland High. A imagem que eles fizeram não representa o jovem que estou
vendo na minha frente.
Agarrei com força a espiral do meu caderno de cálculo até
furar a palma da mão. Quem diabos essa mulher achava que era para escavar meu
passado?
Ela folheou meu arquivo.
- Você foi transferido para vários lares adotivos nos
últimos dois anos e meio. Esta e sua quarta escola desde a morte dos seus pais.
O que eu acho interessante é que, até um ano e meio atrás, você ainda estava
entre os melhores alunos da escola e ainda competia nos exportes. Essas qualidades
normalmente não combinam com um caso de indisciplina.
- Talvez você precise cavar um pouco mais fundo. - Eu
queria essa mulher fora da minha vida, e a melhor maneira de fazer isso era assusta-
la. - Se fizesse isso, descobriria que espanquei meu primeiro pai adotivo. - Na
verdade, eu dei um soco na cara dele quando o peguei batendo no filho
biológico. Engraçado que ninguém da família ficou do meu lado quando os
policiais chegaram. Nem mesmo o garoto que eu defendi
A Sra. Collins parou, como se estivesse esperando que eu
desse a minha versão da história, mas ela estava muito enganada. Desde a morte dos
meus pais, aprendi que ninguém no sistema dava a mínima. Depois que você
entrava, estava ferrado.
- Seu antigo orientador na Highland falou muito bem de
você. Disse que você entrou para o time de basquete da escola no primeiro ano,
um dos melhores alunos, envolvido em várias atividades estudantis, popular entre
os colegas. - Ela me inspecionou. - Acho que eu teria gostado desse aluno.
Eu também - mas a vida era uma droga.
- Meio tarde para entrar para o time de basquete... Já
estamos no meio da temporada e tal. Você acha que o treinador aceitaria as
minhas tatuagens?
- Não tenho o menor interesse em recriar sua vida antiga,
mas acredito que juntos podemos criar algo novo. Um futuro melhor do que o que
você terá se continuar no caminho em que está. - Ela parecia tão absurdamente
sincera. Eu queria acreditar nela, mas tinha aprendido do jeito difícil, a
nunca confiar em ninguém. Mantendo o rosto livre de emoções, deixei o silêncio
crescer.
Ela rompeu o contato visual primeiro e sacudiu a cabeça.
- Você passou uns maus bocados, mas é cheio de
possibilidades. Suas notas nos testes de aptidão são fenomenais, e seus
professores veem seu potencial. Sua média precisa melhorar, assim como sua
frequência. Acredito que as duas coisas estejam relacionadas. Bem, eu tenho um plano.
Além de me ver uma vez por semana, você vai participar de aulas de reforço até
sua média se aproximar das notas dos testes.
Eu me levantei. Já tinha perdido a primeira aula. Essa
reuniãozinha divertida me fez perder a segunda. Mas, já que eu tinha tirado a
bunda da cama, tinha a intenção de ir a aula em algum momento hoje.
- Não tenho tempo para isso.
Uma leve irritação tomou conta de seu tom de voz, tão sutil
que quase não percebi.
- Preciso contactar sua assistente social?
Fui em direção a porta.
- Vai em frente. O que ela vai fazer? Destruir minha
família? Me colocar no sistema de lares adotivos? Continue a cavar e vai ver
que chegou tarde demais.
- Quando foi a última vez que você viu seus irmãos, Joe?
Minha mão congelou na maçaneta.
- E se eu pudesse lhe oferecer visitas supervisionadas mais
frequentes?
Larguei a maçaneta e voltei a sentar.
XOXO Neia *-*
Desculpem a demora gentiii :/
De qualquer das maneiras, aqui tá novo cap....até à próxima gente e espero que estejam a gostar.
Comentem :)
Kisses <3